Em igrejas e outros prédios ricamente ornamentados, cheios de reentrâncias, dezenas de pombos se aninham em cada cavidade. No forro do telhado de certas casas, famílias de gambás e morcegos disputam um espaço. Estes são exemplos de como os animais sabem tirar proveito da arquitetura humana. Mas o contrário talvez ocorra também: a arquitetura animal inspiraria o talento humano. De fato, há quem diga até que ao longo da história essa situação se manifeste com tanto maior freqüência quanto maior o grau de progresso das sociedades humanas. A tal ponto que isso daria ensejo a uma nova especialidade científica, dedicada a investigar as idéias que o homem supostamente toma emprestado dos bichos na hora de fazer sua casa – a Bioarquitetura.
Para os defensores dessa idéia, bastaria examinar o caso mais trivial de todos – uma parede. Antigamente, a função de uma parede era sustentar o teto. Daí ser uma estrutura compacta, pesada. No entanto, depois que o homem aprendeu a erguer pilares para desempenhar essa função, as paredes viraram apenas elementos de separação entre ambientes, sólidos, mas leves. E nada mais resistente e leve do que os favos de abelhas, compostos de uma sucessão de compartimentos hexagonais ocos. A solução proporcionada pelas abelhas resolve também o problema de levantar paredes que devem deixar passar a luz. Outra aplicação ainda do que se poderia chamar de apiarquitetura estaria nas adegas, onde a estrutura dos suportes de garrafas lembra inevitavelmente o design interno das colméias.
Às adegas se chega descendo os degraus de uma escada – freqüentemente uma construção helicoidal ou em caracol, que comunica diferentes alturas em um mínimo espaço. Seria suficiente observar uma concha cortada na transversal para descobrir a semelhança – um braço ou eixo central, em torno do qual se dispõe um corredor de acesso. O próprio símbolo por excelência da habitação humana – o telhado – trairia sua verdadeira origem. Com a finalidade básica de proteger da chuva o interior das casas, seu desenho parece associado à disposição das escamas dos peixes e das asas das mariposas. Delas seriam cópias fiéis as ricas placas de ardósia ou as comuns telhas de barro cozido. No passado mais remoto, especulam os técnicos da Bioarquitetura, a imitação devia ser a regra. O homem, segundo eles, procurava reproduzir à sua maneira a natureza circundante. Naquele estágio de primitivismo absoluto, ele se limitava a resolver seus problemas de habitação adotando recursos do reino animal. O objetivo, antes de mais nada, era conseguir uma morada segura e, quando possível, confortável. E foi nos buracos que o homem teria encontrado pela primeira vez esses atributos.
À falta de cavidades naturais, construiu seus lares picando ou escavando a rocha, tal como fazem os pássaros abelheiros e, na terra roedores como o texugo. Os antropólogos descobriram cavernas escavadas pela mão humana um tipo de túnel de entrada com ligeira inclinação ascendente. Trata-se, originalmente, de uma especialidade do martim-pescador. Esse pequeno pássaro aprendeu a construir na beira dos rios galerias inclinadas o suficiente para evitar que no período das cheias a água invadisse o quarto das crianças, quer dizer, a câmara de filhotes.
Como acontece com as cavernas naturais, onde uma infinidade de estalactites e estalagmites contribui para sustentar o teto, as construções humanas – muitos milênios depois que o homem se mudou das cavernas – recorrem a colunas e pilares, repartidos de forma regular para distribuir por igual o peso. Nesse caso, portanto, o professor de Arquitetura teria sido o reino mineral, não o animal. Atualmente já se sabe construir abóbadas sem aquele tipo de suporte, como na estação de telecomunicações espaciais de Pleumeur-Bodou, na Bretanha, França.
Especialistas afirmam que a obra segue os princípios físicos de uma bolha – o frágil envoltório permanece estável graças ao equilíbrio entre a pressão do ar interno e a tensão superficial. Nessa enorme bolha se conseguiu uma economia de 90 por cento do peso calculado, algo impossível de ser obtido pelos métodos convencionais. Já os partidários da Bioarquitetura compararam aquela estação à estrutura de um ovo, capaz de suportar grandes pressões sobre seus pólos. Para eles, o que supõem ser a imitação dos padrões naturais se justifica pela premissa de que tudo o que a natureza exibe é produto da evolução, portanto fruto de uma adequação milenar às circunstâncias do ambiente.
O castor, por exemplo, para represar as águas, prende nas margens dos rios galhos e troncos, que ele mesmo corta com seus dentes desenvolvidos. O resultado, por incrível que pareça, pode ser ainda mais sólido que as réplicas humanas em concreto armado. O segredo está na elasticidade dos troncos, capazes de suportar o impacto das cheias sem rachar, como ocorria com as primeiras represas de cimento. Depois, os engenheiros tornaram – deliberadamente ou não – a imitar os bichos ao construir represas que, como as barragens dos castores, apresentam poros para a passagem permanente de pequenas quantidades de água, mantendo o nível da superfície. Muitas vezes, quando as construções dos castores perturbam o homem, o único remédio é queimá-las, tamanha a sua solidez.
“O que temos”, explica o engenheiro civil paulista Augusto Vasconcelos, uma das poucas autoridades brasileiras em Bioarquitetura, “são seres que aprenderam a construir boas casas e foram preservados pela seleção natural.” Ele observa que os animais bem adaptados criaram estruturas de abrigo, armazenamento e aprisionamento sem dispor de nenhum instrumento de medida. Já o que o homem arquiteto fez foi não criação, mas manipulação daquilo que a natureza ensinou. Vasconcelos, que intercala em sua biblioteca de Engenharia livros de Biologia, identifica-se apenas como um apreciador apaixonado do assunto.
Ma sua invejável capacidade de discorrer sobre comportamento animal, com muita riqueza de exemplos, costuma valer-lhe seguidos convites para palestras. “Só vemos aquilo que sabemos, por isso temos de estudar a natureza para ver o que ela pode nos ensinar”, pontifica. Mas esse é apenas o primeiro passo. Antes de aplicar um recurso copiado, mesmo os construtores ou arquitetos ditos naturalistas têm de levá-lo aos laboratórios de ensaio a fim de submetê-lo as situações piores que as reais. Mais do que o conteúdo estético e demais considerações do gênero em arquitetura o principal é a segurança e o bem-estar dos moradores – e, nesse sentido, a natureza ainda é o melhor banco de provas já criado. O pioneiro da Bioarquitetura, como matéria de pesquisa e estudo, foi o austríaco, apesar do nome, Raoul H. France, que, no século XIX, aventurou-se a construir diversas teorias sobre a aplicação de superfícies de estrutura oca ou flutuante.
Naqueles tempos se praticava em toda a Europa – e, por imitação, nas Américas – uma arquitetura tradicionalista, e as inovações revolucionárias, excessivamente teóricas e pouco experimentadas, eram vistas com muita desconfiança. Em outras palavras, os profissionais limitavam- se a encolher os ombros e esperar que novos acontecimentos certificassem a valia da inovação. E precisou passar um século para que o assunto ganhasse atenção. A universidade alemã de Stuttgart foi a pioneira nesse terreno, com a fundação do Instituto para Estruturas de Suporte de Superfícies, com pesquisadores encarregados de investigar tudo o que se relacionasse como novos materiais ou com desenhos que aliviassem o peso das construções, sem torná-las menos resistentes. A partir daí, procurou-se a resposta na natureza.
Em pouco tempo, estudiosos dessa área tornaram-se ávidos investigadores das relações entre os elementos naturais e os edifícios construídos, idealizando ainda novos procedimentos de execução. Eles afirmaram, por exemplo, que a configuração de pórticos monumentais é aparentada às cavernas, sobretudo as de rocha calcária ou quartzita, que resolvem sua fragilidade superior com um pontal no meio do vão.
Os bioarquitetos comparam-nas visualmente aos edifícios religiosos, como catedrais, igrejas e abadias. Eles trataram de estabelecer parentesco entre a paisagem natural e a paisagem humana a partir de uma multiplicidade de pontos de vista, levando em conta estruturas, funções e formas externas. Daí surgiu, entre outras, a chamada teoria do abeto, que pretende resolver na prancheta os eventuais problemas causados pelo choque do vento nas edificações com base nessa árvore típica dos climas temperados. Fincada no alto das montanhas, sua situação a qualifica como verdadeiro modelo de adaptação às ventanias.
Podendo chegar aos 45 metros de altura, o abeto tem uma forma cônica ou piramidal, com a copa um tanto esvaziada e galhos com ramos finos – um conjunto que deixa passar o ar sem arquear-se.
Sua réplica em construções poderá ser encontrada principalmente em companários e outros arremates de cúpulas e telhados dos edifícios religiosos. Mas os estudos localizaram um campo ainda mais interessante no produto do trabalho daqueles animais tipicamente construtores. Existem aí, de fato, técnicas para todos os gostos, algumas tão complexas e refinadas como as do homem. O mundo animal tem, por exemplo, arquitetos que privilegiam as cavidades esculpidas, como os pássaros carpinteiros; ou as clássicas enramadas, como as cegonhas, águias e abutres; ou as moradas semi-esféricas, como os confortáveis ninhos de pêlo, lã ou musgo dos pintassilgos, tentilhões e rouxinóis; ou de barro, como o do conhecido joão-de-barro; ou, ainda, os labirintos de peças rigorosamente idênticas entre si, admiráveis obras das abelhas e cupins.
Observando as proezas arquitetônicas que desempenham papel essencial na sobrevivência das espécies, o homem resolveu pelo menos um problema que durante muito tempo desafiou as melhores réguas e compassos. Décadas a fio, os desenhistas perderam o jogo para a questão de como projetar estádios com tetos, por causa da grande superfície que haveriam de cobrir. Hoje, porém, os estádios cobertos já são comuns. Tomando como referência a teia de aranha, arquitetos desenharam a gigantesca cobertura do Estádio Olímpico de Munique. Ao vê-la de longe, percebe-se que existem dezenas de fios que sustentam a teia propriamente dita com total segurança.
O campo de comparações se alarga ainda mais quando se levam em conta as espécies menores, usualmente fora de alcance visual humano. Desde pequenas aranhas, que fazem sua casa como falsos frutos dos carvalhos (as galhas), os caranguejos ermitões, que pegam uma concha qualquer e a seguram durante toda a vida sobre o corpo, até as vespas e pulgões, que vivem dentro de bolhas que eles mesmo fabricam, todos desenvolveram técnicas próprias que os habilitam a multiplicar-se e competir pela sobrevivência em condições favoráveis.
A Bioarquitetura definitivamente supõe uma certa inovação no conceito de construção das sociedades civilizadas. Arquitetos futuristas asseguram que é possível erguer grandes cidades com edifícios que tenham personalidade própria, sem por isso deixar de serem atraentes e seguros. De seu lado, porém, arquitetos naturalistas, como o paulista Fábio Canteiro, criticam o que consideram tendência exibicionista da arquitetura contemporânea. “As grandes cidades são catástrofes em potencial e as pessoas são cúmplices disso sem perceber”, acusa. Para viver o que diz, ele construiu sua casa na periferia de São Paulo, integrando-a com a criação de cães, gatos, aves, coelhos, abelhas, peixes e vários tipos de plantas. “O homem brigou com a terra e a cobriu de cimento”, teoriza ele. “Nós somos parte da terra e devemos nos sentir em casa, apenas convivendo com a natureza.” Ou, quando isso não for possível, pode-se acrescentar, sabendo tirar partido de sua rica diversidade na busca de soluções tipicamente humanas para problemas tipicamente humanos.