baratas

As seis patas espinhentas e ágeis da barata são capazes de transportar algo muito mais detestável do que o próprio inseto. Em algum ponto daquele corpo pode estar alojada a microscópica bactéria da peste, ou a da febre tifóide ou, pior ainda, o vírus da poliomielite. Uma espécie particular de virose – Herpes blattae – é facilmente disseminada devido ao abominável hábito que as baratas têm de roer os lábios das pessoas durante o sono. Além de recolherem partículas de alimentos que permaneceram aderidas aos cantos da boca, as baratas costumam introduzir a cabeça nas narinas dos adormecidos para saborear demoradamente as secreções nasais. É claro que este comportamento qualifica a barata, pelo menos em potencial, como uma perigosa vetora de doenças. Ela contribui também para a transmissão da cólera, da bouba, do carbúnculo e de vários tipos de conjuntivite.

Qualquer tipo de barata doméstica representa um dos subprodutos mais corriqueiros das civilizações e quando prolifera com facilidade transforma-se num indicador de falta de higiene. Desde que passaram a desfrutar de novos abrigos e fontes de alimento, graças aos descuidos com a limpeza dos antigos agrupamentos humanos, algumas espécies de baratas revelaram-se ávidas degustadoras de tudo o que serve de comida para nós. E do que não serve também. Atualmente, as baratas que se tornaram caseiras não poupam sequer os fios dos eletrodomésticos.

Para nós é reconfortante saber que das mais de 3 mil espécies de baratas que habitam o planeta apenas quatro são consideradas prejudiciais à saúde pública, por terem se tornado insetos caseiros. As demais espécies se mantêm a distância dos seres humanos, espalhadas por quase todos os ambientes naturais, sobrevivendo em regiões tão divergentes entre si como os desertos e as florestas tropicais. A grande barreira ecológica para esses insetos é o frio intenso, mas nem mesmo isso privou os lapões – que habitam o norte da Europa – do convívio noturno com uma minúscula e incômoda baratinha que costuma se aquecer em seus dormitórios.
As baratas caseiras não representam nenhum papel na cadeia ecológica: elas são apenas uma praga. Já as suas irmãs silvestres desempenham variadas tarefas na reciclagem de material orgânico vegetal e animal e servem de alimento para vários predadores, animais noturnos como elas. A distribuição geográfica das baratas caseiras ampliou-se bastante na época das grandes navegações. As antigas caravelas costumavam transportar milhares de baratas através dos oceanos, deixando que elas fundassem novas e prósperas colônias nos continentes recém-descobertos.

O relato mais impressionante sobre o problema das baratas em viagens transoceânicas foi feito em 1587 por Sir Francis Drake, um intrépido comandante a serviço da rainha da Inglaterra. Depois de tomar dos espanhóis o valioso galeão San Felipe, ele descreveu em seu diário de bordo o início de uma nova e terrível luta contra a incalculável multidão de baratas que infestava a nau espanhola. Drake acabou perdendo a batalha para elas e a sua derrota revelou-se um sombrio prenúncio de que as baratas não deixariam tão cedo de atormentar os viajantes marítimos.

Para quem já tentou eliminar uma barata, o aparente insucesso do famoso pirata inglês não causa espanto. O animal é capaz de se arrastar dezenas de metros com as vísceras expostas devido a uma potente chinelada, esconder-se e ser visto mais tarde roendo restos de comida no mesmo local onde havia sido surpreendido. Mesmo depois de decapitadas, as baratas conseguem se evadir com a agilidade de sempre. Um gânglio nervoso situado no tórax substitui parte das funções do cérebro e passa a coordenar os movimentos da fuga. Se a barata sem cabeça corre, como de costume, para um lugar escuro é porque seu corpo possui um revestimento de células sensíveis à luz. Assim, mesmo desprovida dos olhos, ela consegue localizar as sombras e desaparecer na escuridão.

Na verdade, os olhos não desempenham uma grande função para essa típica passeadora noturna. De muito maior importância são as duas longas antenas recobertas por milhares de poros e de pelinhos microscópicos. Operando como órgãos táteis e olfativos simultaneamente, as antenas revelam uma espantosa acuidade sensorial ao detectar substâncias nocivas ao inseto, protegendo-o contra as poderosas iscas venenosas e inseticidas líquidos usados para combatê-lo.

As antenas também são utilizadas como sensores de direção. Sem elas, as baratas perdem a noção de estar indo para a direita ou para a esquerda. Numa experiência que se tornou clássica, várias baratas foram submetidas a pequenos choques elétricos quando fugiam para uma das extremidades de um tubo em forma de T. Elas aprenderam a superar a sua normal aversão pela luz e passaram a correr para o lado luminoso depois de levarem choques sucessivos dentro do braço escuro do tubo. Mas, com uma das antenas removida, o inseto já não apresentava mais o resultado do treinamento. A amputação da antena esquerda de uma barata treinada para fugir para esse lado causava-lhe quase sempre uma desastrosa evasão à direita, encaminhando-a aos fios elétricos. Essa experiência também demonstrou que a velocidade e a retenção do aprendizado é bastante desigual entre baratas da mesma espécie. O número de choques usado para treiná-las foi de vinte a cem. Depois, verificou-se que baratas diversas retiveram o aprendizado por um tempo que variou de cinco minutos a uma hora.

Comprovadamente, o cérebro de uma barata não é o responsável pelo excelente desempenho desse tipo de inseto na luta pela sobrevivência. Admitimos que a barata seja um “bicho que deu certo”, porque ela pouco modificou sua estrutura externa quando comparada com os fósseis de suas ancestrais, insetos que existiram há 320 milhões de anos. O ambiente em que viveram as baratas pré-históricas assemelhava-se ao de uma luxuriante e superúmida floresta tropical. Foi naquele cenário que, em circunstâncias desconhecidas, alguns grupos de baratas passaram a diferenciar-se acentuadamente dos demais, não só na anatomia mas, sobretudo, no comportamento. Lentamente, nos agrupamentos de baratas mutantes surgiram procedimentos típicos de insetos sociais e suas congregações passaram a se organizar em castas orientadas para a execução das variadas tarefas de construção, reprodução, defesa e obtenção de alimentos. Por fim, elas alcançaram os dias de hoje estruturadas em sólidas sociedades que viemos a denominar de termiteiros ou cupinzeiros (SI n.° 5, ano 2).

Cupins e baratas são tão aparentados entre si que um especialista já propôs reuni-los numa mesma ordem de insetos. Curiosamente, os dois caminhos evolutivos seguidos por esses insetos culminaram nas formas atuais, combatidas pelo homem.

Um fato notável: dezoito espécies de microorganismos encontradas no trato digestivo de uma barata norte-americana são da mesma família encontrada nos intestinos dos cupins. Esses protozoários e bactérias atuam auxiliando o inseto na digestão de substâncias resistentes como, por exemplo, a celulose. Eles podem ser transferidos artificialmente do organismo da barata para o do cupim e, assim mesmo, continuarem a se reproduzir com sucesso. Complexas adaptações entre microorganismos e insetos demonstram que as relações entre eles são simbióticas, isto é, esses relacionamentos são de vital importância para ambos. Isso ficou comprovado quando se descobriu que os insetos podem apresentar os mais diversos mecanismos de transferência de microorganismos para seus descendentes.

Nas baratas, as bactérias simbiontes migram do intestino para os ovários, instalam-se sobre a superfície dos óvulos do inseto e, depois, infiltram-se dentro deles, garantindo sua “cadeira cativa” nas baratinhas da geração seguinte. No momento da postura, um pequeno aglomerado de ovos fica protegido por uma rígida embalagem fabricada por glândulas abdominais do inseto: a ooteca ou ovoteca. A dureza da ovoteca é resultante da mistura de duas substâncias que só endurecem quando entram em contato, reagindo entre si como acontece com certas colas dotadas de grande poder de adesão (e vendidas em dois tubos separados). A enorme barata caseira, de colorido castanho-avermelhado, deposita dezesseis ovos em cada ovoteca. Ela vive no máximo dois anos, mas consegue produzir em média cinqüenta ovotecas e gerar, ao menos em teoria, uma descendência de oitocentas baratinhas, que demoram 45 dias para nascer. Mesmo que apenas uma minúscula parte delas atinja a idade adulta, escapando de parasitos, predadores e dos produtos químicos aplicados para exterminá-las, podemos ficar certos de que surgirão aos milhares ao menor descuido em nossa vigilância. A barata avermelhada é uma das quatro espécies que atingiram o grau de “doméstica”, o que significa que dificilmente nos livraremos dela.

Fonte: Revista Superinteressante – Junho – 1989

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